segunda-feira, 8 de novembro de 2010

De saco cheio


Texto de Rodrigo Ziviani

Natal já deu no saco. E não é o do Papai Noel. A data me lembra três coisas: shopping lotado, pirralhos gritando em lojas de brinquedos e a parentada reunida em torno do rango, fingindo que se atura, em nome da tradição.

Papai Noel não está em questão. O mais eficiente golpe publicitário da História não passa pela minha chaminé desde que me dei conta do engodo.

O Natal é das massas. É nos shoppings, antes templos da elite, que o povo comemora. Graças ao Papai Noel dos brasileiros, Lula. Com mais dinheiro no bolso, os pobres comem Big Mac, compram de tudo um pouco e vão ao cinema. A maioria com seus trezentos filhos a tira-colo.

Sem preconceito, por favor. É fato: shopping é um tiro que saiu pela culatra. Arquitetado como uma réplica da cidade perfeita, virou feira livre e disputa com a praia o título de lugar mais democrático do planeta. De playboy a favelado, de pitboy a emo, de patricinha a faxineira, de héteros a trans, todo mundo ganhou o direito de passear e consumir. É bom, mas é ruim. O ar condicionado mal dá conta.

Os banheiros estão sempre sujos. Estacionamento lotado. Fila até pra olhar vitrine. Barulheira na hora do filme. Tudo isso piora na época do Natal. Papai Noel, mais fake do que nunca, aproveita e se multiplica como mágica. Porteiros, zeladores, seguranças e aposentados aproveitam para fazer um bi co. Ajeitam a barba de algodão, ensaiam o sorriso e ganham uns trocados para tirar aquelas fotos constrangedoras com a pivetada, mais interessada no último modelo de celular do que no trenó com o saco de presentes.

O lado mais pernicioso do Natal, contudo, está em casa. A data vende a ilusão de que felicidade é necessariamente se cercar das pessoas que a biologia nos impõe como família. É uma equação absoluta: Jesus + presentes + um monte de criança chata + panetone + peru + o porre dos parentes + cartão de crédito estourado = missão cumprida.

Eis o meu problema com o Natal. Não cola. É tão fake quanto a barba do porteiro que se traveste na frente da loja. Não tenho de cumprir missão alguma. Minhas equações são relativas. Nenhuma delas inclui um senhor da melhor idade com excesso de peso e que voa em um trenó puxado por renas pra lá de suspeitas.

Não acho que Deus aprove Jesus como coadjuvante na campanha de marketing do bom velhinho. Além disso, venho de uma família que é o retrato de muitas: gente distante que simplesmente não se importa. E que, de repente, no dia 25 de dezembro, dá o ar da graça por telefone, ou por um cartão mal rabiscado, ou então resolve aparecer para filar a boia. Na boa? Exceto minha mãe, minha irmã, meu pincher, o morzão da minha vida e alguns pouquíssimos amigos, não faço questão de mais ninguém para dividir a uva-passa.

O Natal mais feliz de que tenho lembrança foi no melhor estilo "Esqueceram de Mim", mas sem os assaltantes que atormentam o garoto Culkin. Passei com meu cachorro, deitado no sofá, vendo filme de terror e devorando um pote de sorvete com nozes.

Sem obrigação social. Só eu e meus prazeres. E uma sensação de paz incrível. Que pude dividir, sem as cortinas da hipocrisia, com os meus queridos, assim que pisaram em casa. Este, sim, o verdadeiro sentido de um Natal sufocado pelo american way of life e pelo conservadorismo.

E só pra sacanear com o Papai Noel, já encomendei a ele meu presente: o DVD de "Natal Negro", slash movie de 2006 que mostra Santa Claus como um assassino serial em busca de uma família pra chamar de sua. A ironia é mesmo a minha melhor amiga. Vou passar a ceia com ela. Merry Christmas, everyone!