sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Meu Deus


Rodrigo Ziviani


Meu Deus

Às vésperas de mais um aniversário, tive um sonho curioso. Lá estou eu em um barzinho chique-decadente, saboreando um Cosmopolitan, num daqueles momentos de solidão necessária, beirando a autossuficiência. Adele, tímida e poderosa, canta “Set fire to the rain” em um palco escuro, para poucos privilegiados. De repente, Deus senta-se ao meu lado e puxa papo. Quer saber mais da minha vida. Eis a nossa conversa.

Deus – Oi, Rodrigo. Tenho te observado lá de cima e dado boas risadas. Como você está?
Rodrigo – Oi! Você por aqui, assim? Que surpresa! Eu estou bem. Estou às vésperas de outro aniversário, você deve saber.

Deus – Claro. Quantos anos mesmo?
Rodrigo – 15, aloka! Humm, 35, mas com carinha de menino, graças a você.

Deus – Verdade. O tempo tem sido generoso, não é mesmo? E sua família?
Rodrigo – Olha, posso te contar sobre minha mãe e minha irmã, que são a minha verdadeira família. Estão ótimas, saudáveis, uns amores. Temos uma ligação muito forte e gostosa. Amor genuíno. Quanto aos outros, me desculpe, mas não me importo muito. Espero que estejam bem.

Deus – Imagina, não precisa se desculpar. Família é algo complicado mesmo, porém uma excelente escola. O que acha que aprendeu?
Rodrigo – Aprendi a ser forte, mesmo sozinho. A não culpar meus pais pelos meus erros e minhas fraquezas. A perdoar quem não sabe amar. A desejar o bem, mesmo a quem não me fez nenhum. E a não me sentir culpado por não querer conviver com pessoas que nunca tiveram nada a me acrescentar, sejam parentes ou não. No fim das contas, aprendi muito sobre o poder da escolha. Eu escolhi ser bom e a fazer o melhor que eu puder.

Deus – Ótimo. Quem te influencia em suas escolhas?
Rodrigo - Minha mãe, porque me ensina muito sobre amor ao próximo, sejam quais forem as circunstâncias. E a Madonna. Não a Nossa Senhora. A cantora mesmo.

Deus – Sua mãe é mesmo especial. Vocês têm uma conexão divina. Fiquei curioso com a Madonna.
Rodrigo – Pois é, todo mundo fica. Parece bobagem, mas não é. Quando passei por alguns dos meus testes mais dolorosos, a Madonna, mesmo de longe, foi uma tábua de salvação. Acho que não preciso explicar muito, você a conhece bem, tudo o que ela fez, faz e significa. Foi com ela que aprendi a me aceitar como sou, a ter orgulho de mim mesmo, a fazer meu melhor e a encontrar você, meu grande amigo, dentro de mim. A Madonna me faz bem por ser um exemplo de força e determinação.

Deus – Sem falar nas músicas da Madonna. Eu gosto daquela safada. “Like a Prayer” é minha favorita.
Rodrigo – A minha é “You´ll See”.

Deus – Eu sei. Essa é legal também. Bom, e a vida aqui na Terra? O que tem achado das tentações?
Rodrigo – Eu não me lembro muito bem do que conversamos antes de eu descer, mas devo ter te implorado para vir por causa de sexo e sorvete.

Deus – É verdade. Como tem aproveitado?
Rodrigo – Com moderação. Sorvete eu sempre tenho em casa. Já o sexo, prefiro com amor, o que é muito difícil de encontrar, né? Sexo é uma coisa de louco. Sem bom senso e equilíbrio, podemos desviar do caminho. Aliás, aqui são muitas as distrações, não? É esse o nosso teste, certo?

Deus – Certo. A existência carnal é o melhor dos testes, porque desafia a força do espírito e do caráter. É assim que você se conhece. Todo mundo pensa que é fácil antes de nascer. Eu sei o quanto é difícil manter o equilíbrio para vocês.
Rodrigo – Pois é. Eu estou me saindo bem?

Deus – Claro que está! E mesmo quando erra, te vejo com muito carinho. Ninguém nasce tirando dez em todas as matérias. Você tem estudado e melhorado suas notas dia-a-dia.
Rodrigo – Obrigado. Eu me esforço. Faz bem para a minha autoestima.

Deus – Autoestima é tudo! E vejo que tem se exercitado.
Rodrigo – De duas a três vezes por semana. Minha saúde está ótima. Estou bonitão, não estou? E a miopia eu disfarço com lentes de contato, até poder operar. Tô bem, tô bem.

Deus – Vixi.
Rodrigo – Rsrs.

Deus - O que te incomoda, além da miopia?
Rodrigo – Acho que as pessoas, de forma geral. Sou míope, mas vejo tudo com clareza. Conviver é uma arte. Este planeta é estranho, cheio de contradições. Fico muito triste quando vejo alguém maltratando um animal.

Deus – Zivi, posso te chamar assim?
Rodrigo – Pode, que legal!

Deus – Então, Zivi. A Terra é um planeta de evolução intermediária. Você veio para cá, porque ainda vibra nessa freqüência, em alguns aspectos. Em outros, está mais evoluído. Aqui, há extremos de prazer e dor, bondade e maldade. Há coisas que você só pode ter neste lugar. Lições que precisa aprender. Conversamos sobre isso, lembra?
Rodrigo – Lembro, vagamente. Estamos mesmo numa montanha-russa. Acho que vou sair vivo dela. Só gostaria de viver num mundo menos hipócrita, egoísta, falso, cruel, de tantas aparências. E não é irônico eu trabalhar em televisão?

Deus – Esse outro mundo existe, e você vai conhecer. Cada coisa a seu tempo. Sobre a TV, você está se saindo bem, não se preocupe. A vaidade não é um de seus pecados.
Rodrigo – Ah, que bom. Eu sei qual é o meu maior pecado: luxúria.

Deus – Relaxa, tá tudo bem. Além da luxúria, achou amor?
Rodrigo – Ah, sim! Nossa, que dádiva. Dá trabalho, mas vale muito a pena.

Deus – Fico feliz. O amor de verdade transforma a gente. Você é, sem dúvida, uma pessoa melhor. Me conta: o que acha que aprendeu de mais importante nesse último ano?
Rodrigo – Olha, aprendi a reconhecer meus erros e a não ter medo de melhorar a mim mesmo. Aprendi a amar melhor e a não me considerar o centro do universo. Continuo individualista, admito. Egoísta, nunca. Também aprendi a ter mais paciência. Paciência não é uma virtude muito comum aos geminianos.

Deus – Nossa, isso é verdade. Reconheço e te aplaudo por isso.
Rodrigo – Não é? Hoje mesmo fui cortar o cabelo, e o barbeiro, conhecido de infância, colocou o DVD da Paula Fernandes como som ambiente. Minha primeira vontade foi me jogar pela janela, mas respirei fundo e até elogiei a moça. Voz bonita a dela.

Deus – Muito bem! A Paulinha é gente boa.
Rodrigo – Aff, me poupe.

Deus – Ok, o que você vai se dar de aniversário?
Rodrigo – Este ano, estou dando cara nova ao meu ap. Amo a minha casa. Ela mostra um pouco do que eu sou.

Deus – Ela mostra muito! Tenho acompanhado. Sua casa está bem aconchegante e muito agradável. Bonito o sofá, viu? E o que quer ganhar de mim?
Rodrigo – Sei que é clichê dizer isso, mas a vida, apesar dos perrengues, já é um presente e tanto. Apenas continue me proporcionando situações para que eu tenha mais sabedoria. Sinto que já aprendi muito, mas que a estrada ainda é longa. Peço saúde a todos que amo. E que eu possa ser forte nos momentos difíceis para seguir em frente.

Deus – Seu desejo é uma ordem. Sua estrada será aquilo que você quiser que seja. Vai colher o que plantar. Eu estarei sempre com você. A gente se ajuda.
Rodrigo – Claro, meu amigo. Sei disso. Sempre soube.

Deus - Vai ter festa?
Rodrigo - Não. Comemoro com paz e sossego.

Deus – Sem dúvida, um ótimo jeito de celebrar. Vou nessa, Zivi. Vá devagar com esse Cosmopolitan, hein! Álcool demais estraga a máquina!
Rodrigo – Eu sei, nem gosto muito. Quero imitar a Carrie de “Sex and the City”. É a bebida preferida dela.

Deus – Vira homem e pede uma breja!
Rodrigo – Rsrs. Bebe uma comigo?

Deus – Não, muito trabalho a fazer. Que encontro agradável!
Rodrigo – Nossa, demais. Também gostei muito.

Deus – Fique com Deus. Ou melhor, comigo!
Rodrigo – Rsrs. Já estou. Me dá um abraço aqui.

Deus – Opa!
Rodrigo – Obrigado por tudo.

Deus – Feliz aniversário!

Adele continuou cantando, até a última gota do meu copo. Acordei meio bêbado, sorrindo e com uma certeza reforçada: tenho um amigo de verdade. Presente imbatível esse.