sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O dia que o homem acordou errado


Francine Maria Ribeiro

Um dia acordou todo errado. Ao invés de botar os pés no chão, foram as mãos que se apoiaram no cimento sujo e não deixaram o corpo se estatelar nele. Não foi trabalhar. Atravessou a rua, seguiu uns quinze passos. Entrou num buteco e pediu uma garrafa de pinga. Era sete e meia da manhã. Em casa, juntou uns trapos velhos, papéis e alguns outros restos de vida e fez uma fogueira.

Sentado numa banqueta capenga, bebeu a pinga como se fosse água. Melhor, como se fosse o licor dos deuses. Soltou o passarinho que, triste na gaiola, era a única companhia que tinha há semanas. Lá pelo meio dia, fechou a solitária janela do paupérrimo barraco. Com umas tábuas e alguns pregos, lacrou porta e janela.

Ganhou o mundo. No bolso algumas moedas e notas amassadas. Nos pés um sapato furado - ou seria um furo ensapatado? Não dava pra saber ao certo. Calça e camisa surradas. Um pito na boca e um sorriso no olhar. Sorriso de quem tira sorte grande. Depois desse dia que acordou errado, só viveu errado. Mas viveu bastante e, talvez, embora não pareça uma vida que se possa chamar de boa, tenha sido a melhor parte ou tudo que ele chamaria de vida.