segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Oxi ou pasta base?


Lu Cidreira

Uma “nova droga” começa a fazer vítimas no país, que ainda não conta com os esclarecimentos técnicos necessários para defi nir o que vem a ser o oxi

Não bastasse o efeito devastador do uso do crack, que tem se espalhado pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil, uma nova droga foi descoberta recentemente no estado do Acre, fronteira com a Bolívia.

Possivelmente uma das mais potentes e perigosas drogas conhecidas, o oxi ou oxidado, como é conhecido pelos seus usuários, é uma variante do crack. A diferença é que, na elaboração, ao invés de se acrescentar bicarbonato e amoníaco ao cloridrato de cocaína, como é o caso do crack, adiciona-se querosene ou cal virgem para obter o oxi. The Narco News Bulletin, 13 de maio de 2005.

“O consumo de uma droga derivada da cocaína mais potente e letal do que o crack foi descoberto por acaso, no Acre. Chamada de oxi, a droga é feita a partir de resíduos da folha de coca lacerada e misturada à cal virgem e querosene.

Sua proliferação foi detectada por pesquisadores que estudavam o grau de vulnerabilidade de usuários de drogas às doenças sexualmente transmissíveis.

O oxi é tão potente que pelo menos 13 usuários, não encontrados após a conclusão das pesquisas, foram dados como mortos por conhecidos.” Estadão, 14 de abril de 2005

Desde meados do primeiro semestre deste ano, uma “nova descoberta” vem tomando corpo na imprensa. A partir de uma pesquisa patrocinada pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA, a ONG Reard (Rede Acreana de Redução de Danos) levantou-se, junto a viciados nas cidades acreanas de Rio Branco, Epitaciolândia e Brasiléia, dados suficientes para, segundo a instituição, comprovar o uso crescente de uma nova droga.

Desde então o oxi, ou oxidado, passou a sustentar o título de “uma das mais potentes e perigosas drogas conhecidas”, ou ainda, “mais potente e letal do que o próprio crack”, segundo reportagens como as exemplifi cadas acima.

Mas, o que de fato é o oxi?

É realmente uma nova droga como propaga a imprensa ou uma nova forma de consumo da cocaína? E será que é tão nova assim? Este artigo se propõe a lançar essa discussão e colocar o assunto em pauta, para estimular trabalhos que visem ao esclarecimento técnico dessa questão antes que o mito oxi se torne verdadeiro demais.

A SITUAÇÃO DA FRONTEIRA
Com relação ao tráfico, uma das principais características da fronteira acreana é ser notadamente um ponto de passagem da coca. Por isso, historicamente grande parte das apreensões realizadas pela Polícia Federal no estado é de pasta base. O refino e o batismo, etapas seguintes no processo de produção e comercialização da cocaína, não são realizados no estado acreano. Pelo menos essa não é a regra.

A característica de ponto de passagem da cocaína em seu estado de pasta base, “suja”, alia-se à condição socioeconômica da capital acreana, fator que pode ter contribuído para o alastramento do oxi e a difusão do tráfi - co e consumo de drogas na capital. No que concerne ao aspecto socioeconômico, Rio Branco possui o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região Norte e o 21º do país. Fica em penúltimo lugar do Brasil quando se considera o IDI (Índice de Desenvolvimento Infantil) e é campeã em concentração de renda.

A falta de saneamento básico, assistência médico-hospitalar precária e o difícil acesso da população ao sistema público de saúde são causas diretas no desenvolvimento desse quadro. Não há praticamente indústrias no estado, cuja principal renda provém de verbas federais. Segundo José Mastrângelo, em artigo publicado no jornal O Rio Branco, o desemprego chega a cerca de 38% da população ativa. Isso contribui de forma decisiva para colocar, literalmente, trabalhadores nas mãos de trafi cantes. O serviço de “mula” acaba por se mostrar como a única alternativa de muitos jovens para conseguir alguma renda.

OxiPor conseqüência disso, o sistema os coloca em contato direto com a droga: cocaína na forma de pasta base.

Abundante na região, a pasta base não possui um preço tão elevado quanto o cloridrato de cocaína ou mesmo o crack, formas menos freqüentes de serem encontradas no Acre. A pasta, bastante acessível, é a forma de cocaína consumida pelas camadas mais pobres da população.

Talvez daí tenha surgido o oxi, a pasta base fumada.

O nome oxi, aliás, pode ser ainda originário do fato de a pasta base encontrada na região já ter passado pelo processo de oxidação, pela ação do permanganato de potássio.

Pasta base de cocaína apreendida em Rio Branco e acondicionada juntamente com pó de café. Dentre as muitas formas de dissimulação da droga utilizadas por trafi cantes, esta é uma das mais populares.

QUANTO AOS ASPECTOS MORFOLÓGICOS E FÍSICO-QUÍMICOS
A dificuldade que se impõe é distinguir o que é o oxi e o que é pasta base. O crack e as formas mais puras da cocaína já refinada – tanto o sal quanto a base livre –, possuem características físico-químicas que os distinguem facilmente de outras formas de apresentação. Já a pasta base e o oxi são muito parecidos, isso admitindo que exista realmente alguma diferença em seus constituintes.
Ambos possuem coloração ocre a amarelada.

No laboratório, quanto aos ensaios físico-químicos mais corriqueiros realizados para a cocaína, não há distinção clara daquilo que é chamado de oxi e de pasta base. Testes como Scott Modifi cado, Mayer e Cromatografi a em Camada Delgada (nos dois sistemas de eluição) apontam indubitavelmente para a presença do alcalóide cocaína e ausência de manchas características, e que possam são apreendidas grandes quantidades de pasta base de cocaína. Não há nenhuma menção relativa ao oxi, mesmo porque, com os recursos técnicos atualmente disponíveis no estado, não há como diferenciá-lo da pasta base. A única distinção fi ca por conta de informações prestadas pelos agentes da Polícia Federal responsáveis pela apreensão, sem nenhum embasamento t&eac ute;cnico-científi co.
Fonte: www2.mp.pa.gov.br