sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sério, que preguiça


Matheus Farizatto

Que preguiça. Está difícil passar o olho em algumas postagens que dizem coisas como “te amo, linda” ou com aquela foto “eu, meu marido e filhos; família, base da minha vida” nas redes sociais. Está complicado jantar na casa de um casal. Pior ainda comparecer a um casamento ou batizado. E não adianta convidar que não serei padrinho de filho de amigo algum. Que preguiça me bate a farsa da família feliz.

Talvez este seja um bom momento para eu me afundar no trabalho de Nelson Rodrigues. Nunca li uma obra sequer deixada pelo jornalista que completaria 100 anos de idade este ano. Assisti a uma adaptação de suas peças, “Vestido de noiva”, e o conheço pelas publicações que dizem sobre sua crueza ao falar do comportamento humano.

Quando a série para televisão “A vida como ela é” foi exibida na década de 1990, eu era jovem demais para acompanhar a “nudez” dos episódios. Agora a produção é reprisada aos domingos em homenagem ao aniversário do autor.

A sede por Nelson Rodrigues vem da identificação que sinto por seus pensamentos, a escancaração da hipocrisia. Sinto afinidade. Por falar nisso, assistindo ao programa “Saia Justa”, os participantes falavam sobre amizade e tudo o que pesa em uma. Para mim, a colocada de mestre ao explicar o que motiva a relação entre grandes amigos foi esta, a afinidade.

“Amizade não deve ser cobrada e, quando verdadeira, não importa o tempo que fiquem sem se encontrar, o papo entre bons amigos recomeça de onde parou” – comentário da atriz Maria Fernanda Cândido, nova integrante do programa. Concordo e ainda mando uma cesta de café da manhã.

Porém, meu presente é de pouca afinidade com muita gente, amigos e desconhecidos. “Se as pessoas soubessem o que as outras fazem entre quatro paredes, ninguém se cumprimentaria na rua”. Frase de Nelson Rodrigues, a minha favorita.

Afinal, por que em tempos tão escancarados como os de hoje, o “viver de fachada” segue com força total nas eleições da sociedade? Que preguiça. Falta afinidade ao ver pessoas apresentando sei lá para quem a família feliz que construiu enquanto também constrói secretamente encontros “proibidos” pelo casamento. Amém.

O que é mais fácil? Planejar uma traição ou dizer à pessoa “amada” que existe um problema e a relação não está funcionando? Sua resposta é nossa afinidade, entre mim e você, ou a ausência dela. Me daria ou tiraria esta preguiça que sinto.

O Papa Matheus XXV que vos escreve já traiu e foi traído. Por tempos enganei uma pessoa que organizava minha festa de aniversário surpresa entre amigos e familiares. Em outro momento, menti, tentei esconder e depois abri o jogo: “fiquei com outra pessoa”. Paguei meu preço e hoje fico à vontade e seguro por saber o que serve e não para mim.

Os casais não podem conversar sobre sexo a três para matar o desejo de transar com outra pessoa, mas podem fingir que são fiéis enquanto chupam outra genitália. Não entendo. Que preguiça.

“É da natureza humana”, se explicam. Conversar de forma inteligente também deveria ser. Talvez a farsa seja o grande segredo dos verdadeiros casamentos. Para compensar, o "infeliz" aqui, já foi e voltou cinco vezes com seu companheiro, justamente por encarar todas as dificuldades que existem nos relacionamentos.

Me identifico com a sinceridade da conversa de uma amiga que vai casar e ouviu do marido que ele gostaria que ela emagrecesse um pouquinho para continuar a gostosa de sempre. Precisaria de o cara falar assim? Ele poderia deixá-la roliça o quanto for e procurar na rua a delícia ideal do sexo enquanto sua esposa assisti ao novo dvd "A Galinha Pintadinha nº 173" ou "Patati Patata PaPQP" na tentativa de fazer o filho parar de chorar.

Me identifico com aquele que não assume um namoro por saber que não conseguiria ser fiel. Com o amigo que confessa seu tesão por meninas mais novas – “branquinhas gordinhas e morenas de pernas grandes”, fala sem medo de ser julgado.

Me identifico com a amiga que fica com vários, mas não apresenta algum para a família por achar que seria forçar a barra namorar alguém só para não ficar sozinha.

As pessoas mudam e, naturalmente, as afinidades também. Para aqueles os quais não me identifico por viverem de fachada, só lhes restam a minha preguiça.