quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

...Sorrindo


José Hamilton Brito

Melhor ser analfabeto. Quanto mais a gente lê, mais fica sabendo de coisas esquistas.

Marco Antônio saiu do seu escritório de advocacia, passou no piano-bar e tomou o seu lugar de sempre.

-Bom tarde, doutor, como foi o seu dia hoje?

-Oi, boa tarde Carmelo, até que não foi mal. Amigo, manda o de sempre. Quem atira no meio, não erra.

O bar-man se afastou. Marco Antônio abriu sua revista preferida, um semanário de boa tiragem , abriu na última página e começou a ler seu articulista predileto: A ARTE DE MORRER era o tema.

Nele era relatado o caso de um conhecido crítico de música, apaixonado por Villa-Lobos e que ia dar uma palestra sobre o grande maestro. O sistema de som começou a tocar FLORESTA AMAZÕNICA. O crítico ficou extasiado, deu um suspiro e caiu morto. Morreu porque se emocionou com algo que era belo e que amava.

Era uma morte semelhante a uma outra: a de Bergotte, personagem de Marcel Proust, que em uma exposição de arte, fica extasiado com VISTA DE DELF, de Johannes Vermeer e passa para o degrau de cima, na hora,

Estava absorto lendo a matéria, quando foi interrompido pelo garçom, que trazia a bebida.

-Luizinho, será que é possível a gente morrer, assim, de repente, só por olhar algo ou alguém de muita beleza?

-Acho que não, doutor. Posso provar.Uai, fosse isso verdade, tanto o senhor como eu, já teríamos ido pros quiabos quando a sua namorada entra ali pela porta.

-Opa! Olha o respeito...

-Doutor, toda afirmação precisa levar junto um argumento de prova. Foi o senhor mesmo que me ensinou. Não vem, não...

O doutor pediu uma salada completa como entrada, um Le Corti, um chianti clássio da região da Toscana; depois, salmão ao molho de alcaparras, pois resolvera jantar. Chegando em casa, iria após breve descanço, estudar um processo de inventário dos mais intrincados.

-Luizinho, vê a minha despesa, por favor.

Após os acertos e de ter tomado um último drinque, se dirigiu para o carro, mas ainda ouviu do garçon:

- Cuidado doutor, não vá se emocionar.

No caminho para casa, vendo uma farmácia, resolveu ver como estava a sua pressão.

-Doutor, vou atender o senhor mas as farmácias não estão mais prestando o serviço à população.Sabe como é, se podem complicar as coisas para o povo, porque não fazê-lo, não é mesmo?

Pressão normal; tranquilo, foi para casa. Até se esqueceu da matéria lida.

Após o banho, tendo vestido o roupão que lhe agradava, ligou o som para ouvir Harry Jerome e acomodou-se no sofá.

A música era moonlight serenade; Marina, sua namorada, gostava de fazer amor ouvindo a canção.

Ele também gostava muito.

Por volta das onze horas, Marina, que tinha a chave da casa, entrou e o encontrou deitado, sereno. Tinha um sorriso nos lábios.