Matheus Farizatto
O que o cabeleireiro disse na conversa entediante de nosso último encontro, me incomodou. Passou do ponto chato de ele achar que deve puxar assunto comigo enquanto borrifa água em meu cabelo e chegou ao “eu não acredito que ele disse isso”.
Na verdade, foi só mais uma confirmação. Não deveria me surpreender. Neste mesmo bairro deve haver, pelo menos, trinta salões dos quais vinte e nove proprietários como ele devem achar que a vida não faz sentido se não tivermos filhos – a exceção deve se chamar Margô e ser uma dona de salão de beleza porra-louca-bem-resolvida que curte conhecer novos motéis com seu namorado.
Mal começou com a tesoura e minha vontade foi levantar da cadeira e ir embora quando o meia-idade soltou, “ah, mas essa coisa de viver pra gente cansa. Aproveitei muito a minha juventude (todos os adultos com algum tipo de frustração por sua situação atual dizem isso repetidas vezes). Mas logo virá a vontade de casar e ter filhos”.
Rá! “Pois é, a maioria segue isso, mas eu não me vejo cansado por viver para as coisas que realmente gosto”, respondi no ápice da minha unção.
No trabalho, um colega me pediu opinião sobre um assunto e logo depois de eu comentar, acrescentei: “o principal é não forçar a barra”. Está aí. Ponto pra quem capta.
Nada pior que aquela conversa da tia sem recursos que diz que “pé de pobre não tem número. Se é calçado doado, tem que servir”. Desculpe-me, tia, mas não tem, não.
Até que ponto vale a pena fazer as coisas por falta de recurso ou argumento em vez de seguir seu próprio gosto para as coisas da vida?
Admiro demais a amiga que recusou a proposta de um cargo de gerência por achar que aceitá-lo seria ir no embalo do que todos querem e contra os valores que ela se identifica. Que saudade daquela que, depois do casamento convencional com um cara tosco, se divorciou e hoje é feliz morando com um tatuado boa praça que de vez em quando recebe na casa deles os filhos do primeiro casamento para o fim de semana. Mas ela tem muito claro que engravidar ela não quer. Vontade de tomar um café com outra amiga que, após quase dez anos de namoro, terminou por perceber que o conservadorismo do rapaz limitaria seus projetos pessoais. Tem que dar? Agir conforme a moda não dá.
Tem que morar junto? Tem que casar? Tem que dar? Que nada. Perco a paciência ao ver pessoas enchendo o Facebook de juras de fidelidade e família feliz “marcadas” para seus parceiros na tentativa de forçar uma situação em um relacionamento cheio de problemas, enquanto todo os outros da rede social tem que fingir que acha aquilo uma prova válida de amor. Tem que dar? Autoafirmação não dá.
A revista Época trouxe a excelente capa “Filhos e felicidade – As crianças deveriam tornar a vida dos casais mais feliz. Por que nem sempre é assim?”. O elogio é pela serenidade da matéria em dizer que as pessoas seriam muito mais felizes se seguissem seus próprios princípios em vez de entrar no que é ditado pela sociedade sem antes se perguntar se realmente servem para aquilo. E mais: fala sobre a dificuldade que as pessoas têm em reconhecer as frustrações que surgem no casamento tradicional e na criação de um filho.
O “agora comecei, então tem que dar certo” nunca esteve tão sem lógica e ao mesmo tempo tão em alta. Uma pena.
Já fui casado de morar sob o mesmo teto, já conversei sobre possíveis nomes para um filho, mas na maioria das vezes que algo me incomodou não forcei a barra. Coitado deste autor que viverá para si e suas paixões que só envolvem seus gostos? Feliz dele e daqueles que se questionam e se posicionam sem medo de ser a minoria livre das engrenagens desta "indústria da felicidade".