sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O tumor do Lula e o nosso


Roelf Cruz Rizzolo

Normalmente, quando alguém atravessa uma situação dramática nossa reação é compartilhar sua dor e tristeza. Da mesma forma, quando um semelhante passa por uma situação constrangedora -ou mesmo feliz-, vivenciamos também algo da sua vergonha ou da sua alegria.

Este tipo de reação solidária não surge apenas devido ao efeito de valores morais adquiridos durante nossa educação, mas trata-se de uma resposta natural decorrente da ativação de redes neuronais específicas. Já comentamos aqui sobre este sentimento que compartilhamos com outros primatas, a empatia.

Resumidamente, quando vemos alguém triste os mesmos neurônios responsáveis por esta observação podem estimular os circuitos associados com a tristeza, e sem que nada “triste” tenha nos acontecido passamos a sentir parte desse pesar. O importante é que este sentimento, que facilita nossa convivência em grupo, permite que nos coloquemos no lugar do outro evitando assim uma série de conflitos.

Quando disparou na imprensa que o ex-presidente Lula estava com câncer, o que menos se viu, pelo menos entre os que expressaram sua opinião em redes sociais, comentários em portais de notícias, etc., foi a empatia à qual me referi anteriormente. Em vez de uma mensagem solidária, muitos optaram por mandar Lula para aquele lugar, o SUS. Por algum motivo, o sentimento de empatia foi bloqueado. Por quê?

A alegação de muitos é que agiram assim para chamar a atenção sobre o “estado deplorável” em que se encontra nosso sistema público de saúde. É uma possibilidade que não pode ser descartada. Como chefe do governo, podemos racionalizar atribuindo-lhe responsabilidades que, de alguma forma, bloqueiem nossa resposta natural empática.

Mas há um problema com esta justificativa. Meses atrás a população praticamente elevou à qualidade de herói nacional o número dois na cadeia hierárquica do governo Lula, o vice-presidente José Alencar, pelo simples fato deste ter enfrentado com o que há de mais caro e sofisticado da medicina nacional e internacional suas várias recidivas de câncer. Obviamente ele também era governo. Corresponsável por todas as suas políticas. Mas nenhuma campanha foi sugerida para que o vice-presidente fosse tratado pelo SUS.

Meses depois, a então candidata Dilma Rousseff passou por situação semelhante e tampouco foi observado esse fervor pátrio para que ela enfrentasse as filas do nosso sistema público de saúde.

O sentimento empático também poderia ser bloqueado caso o destinatário fosse um crápula, um genocida, um sociopata, enfim, um elemento reconhecidamente nocivo ao grupo. Não parece ser este o caso do ex-presidente Lula. Podemos atribuir-lhe uma série de defeitos e virtudes, mas nada que se pareça com essa descrição.

Mas há um fato que merece nossa atenção. A empatia é um sentimento profundamente fixado em nosso cérebro mediante mecanismos de seleção natural. O altruísmo e outros valores morais que nos são tão caros também podem ser explicados pela necessidade de criar vínculos que tornem o grupo mais forte e coeso, fator essencial para sua sobrevivência.

Como já mencionamos em outras oportunidades, o Homo sapiens evoluiu a partir de pequenos grupos de caçadores/coletores. A sobrevivência individual dependia de um comportamento solidário e altruísta entre os membros do grupo, mas hostil com os membros de outros grupos. Será que a disparidade de tratamento que dispensamos a essas três figuras da vida pública está relacionada com estas mazelas evolutivas? Por ser rico, branco e católico praticante José Alencar merecia tudo que seu dinheiro pudesse pagar para combater sua doença? José Alencar e Dilma são de nosso grupo e Lula não?

Não sei até que ponto a falta de empatia demonstrada por muitos em relação a nosso ex-presidente esteja relacionada com este fato. Mas suspeito que pelas suas características autobiográficas ele desperte uma rejeição atávica em muita gente. Este sentimento pode ter atingido o ápice quando, através do instrumento democrático do voto, este sapo de outro poço foi galgado ao posto de líder máximo de nosso bando. Conviver olha lá, aceitar sua liderança já é outra história, não é mesmo?

É evidente que sempre devem ser cobradas responsabilidades aos dirigentes, mas fazer isso justo num momento como esse, convenhamos, deve no mínimo nos fazer refletir sobre nossos reais motivos. Que tenhamos um passado evolutivo impiedoso não justifica, neste início de século 21, tamanha falta de sensibilidade.