terça-feira, 8 de maio de 2012

Amor de verdade


Rodrigo Ziviani

Foi a primeira Páscoa sem ovos de chocolate. Mudança. Concreta. Nunca liguei para os ovos. Mas sim para o que eles significavam e de quem vinham. Aqui em casa, a Páscoa foi simples, limpa, serena, como o terreno que começo a semear. Estou preparando o jardim, que andava esquecido, para as próximas borboletas.

A Páscoa diferente me fez ter uma nova perspectiva sobre o amor de verdade. A gente acha que todo feriado santo só vale com chocolate. Como é possível ficar sem?

O mesmo acontece com o amor de verdade. Quando o achamos, não queremos largar, não conseguimos vislumbrar uma vida sem algo tão intenso, tão maravilhoso. Só que o tempo passa. Com ele, chega a inevitável pergunta: o que é, de fato, um amor de verdade?

Da mesma forma que descobri uma Páscoa sem cacau, encontrei, aos poucos, as respostas. O amor de verdade não é sinônimo de amor para sempre. O verdadeiro amor pode não durar uma vida inteira. Aliás, este nem deve ser o seu propósito.

Amor que é amor, antes de mais nada, ensina. Por caminhos tortuosos, às vezes. Pelas diferenças que podem se tornar irreconciliáveis. Pela incompatibilidade de gênios, jeitos, estilos de vida. Pela dificuldade de encaixe, a despeito da excelente química. Pelos objetivos que vão cada um para um lado. Pelas ambições, umas mais discretas, tranquilas, outras desmedidas, atropeladoras. Mas, principalmente, pelo que a gente sente aqui dentro, no peito. Sim, a gente sabe quando é especial, apesar de tudo.

O amor de verdade não acaba. Aprendemos a tolerar sua ausência, porque a presença pode ser confusa, atordoante e enfraquecedora. O amor de verdade deixa ir, porque compreende que a felicidade pode estar mais na separação e menos no casamento. O amor de verdade precisa de tempo para se transformar numa reluzente lembrança dos bons tempos, em detrimento dos momentos de aflição, dúvida, sufocamento.

O amor de verdade não fica com mágoas. Apenas entende que a vida precisa ser simplificada, equacionada com o bem-estar, a alegria de viver, e não com armas de combate, ainda que em posição de repouso, esperando pela hora do saque.

O amor de verdade nem sempre é pacífico. Chega, muitas vezes, para nos tirar do prumo, sacudir a poeira, mostrar outros horizontes, despertar sensações inéditas e exterminar o comodismo de uma realidade cansada e esgotante. Pode se confundir com a paixão. O amor de verdade também pode esgotar. Pode se esgotar. É quando entra a sabedoria. Na montanha-russa do coração, aprendemos a ter inteligência emocional. Aprendemos o que esperar das subidas intermináveis e das descidas que dão frio na barriga. No fim das contas, a gente sabe que ninguém vai morrer. A gente sobrevive à saudade, à distância, à vontade de fazer dar certo para o resto da vida, à frustração de ter tido um amor de verdade que só veio para cumprir um curto, porém fundamental, papel na longa trajetória que devemos percorrer.

O amor de verdade permanece. Que honra levar isso comigo, embora, aqui e ali, não consiga evitar a melancolia e o desejo de uma noite de sexta com edredom, filme e a companhia que, um dia, quis ter pra sempre.

O saudoso Millôr Fernandes escreveu: "Viver é desenhar sem borracha". Meu desenho, hoje, está uma bagunça. Não posso apagar. Devagar, tenho certeza, vai começar a fazer sentido. Amor de verdade é como obra-de-arte. Ninguém precisa entender. Só interpretar. Quem sabe uma outra chance? Num outro momento, daqui a alguns meses, talvez anos, com tudo diferente e outras lições aprendidas? Com as cabeças turbinadas pela razão que só o tempo é capaz de proporcionar? Com os corações mais avermelhados e prontos para, enfim, acertar os ponteiros que sempre faltaram?

O amor de verdade é esperança. De que tudo dê certo, seja lá como for. Se for pra ser, vai ser de novo, hoje, amanhã, daqui a uma década, quem pode adivinhar? Se não for, ok. Às vezes, nos apaixonamos. Amamos com força. Aprendemos o que é preciso. Seguimos em frente. E tudo bem. Uma vida sem ovos de Páscoa não é o fim do mundo.