sexta-feira, 8 de junho de 2012

Falta


Indira Nóbrega

De repente, encontrei-me sozinha no meio daquela chuva, em uma esquina qualquer, sem ninguém por perto a não ser um casal que trocava beijos apaixonados, sem notar a minha presença. Caminhei devagar, na esperança de algum sinal. Dois faróis no final da rua, uma voz chamando meu nome, um toque sutil pelas costas. Mas não havia sinal.

Não havia ninguém com quem contar, com quem dividir aquela angústia de estar a te esperar na esquina de sempre, na rua de sempre, com o velho amor de sempre latejando em um peito cheio de cicatrizes. Não havia mais esperanças de que tudo voltasse ao normal. Porque a gente sempre sabe quando acaba, mas venda os olhos e finge que a verdade não está ali, na nossa frente, nos encarando com seus olhos de carrasca. E então, fantasiamos uma ilusão e decidimos vivê-la, por medo da dor que a realidade nua e crua possa nos trazer.

Aqueles faróis jamais voltarão a aparecer naquela esquina, a não ser que ele queira devolver-me alguma das roupas ou minha escova de cabelos que deixei propositalmente em sua casa, marcando território. Porque ali era meu lar; não necessariamente aquela casa, mas aquele corpo, aquele coração. Era onde eu habitava por completo, onde poderia passar o dia inteiro de pijama, sem incomodar-me com quem estaria olhando. Até que resolveram expulsar-me de vez.

Não quero voltar, nem posso. Mas a noite hoje está tão fria, a chuva está ficando cada vez mais forte e não tenho onde encontrar abrigo. Não tenho onde aquecer-me. Não tenho nada a não ser uma esperança absurda de acordar e perceber que tudo não passou de um sonho. Seria como renascer, como se os braços dele fossem o útero de uma mãe, quentinho, me abrigando e protegendo do mundo selvagem lá fora. Como se nada pudesse atingir-me.

Mas agora está ficando tarde... não tenho sequer um casaco para aquecer-me. Minha pele arrepia-se com o frio da noite, meu cabelo está completamente molhado da chuva, meu coração, assombradamente vazio. Ninguém sabe, mas desde que ele se foi eu retorno todas as noites, na esperança de reencontrá-lo. A cada partida, volto para casa com mais uma pedra de dor e orgulho, almejando contruir uma fortaleza inabalável em volta do meu coração.

Um dia, quando as pedras forem suficientes, não mais voltarei. Quando esse dia chegar, não haverá ninguém na esquina além de um casal de namorados qualquer, que trocará beijos ardentes em uma escura e chuvosa madrugada...