Matheus Farizatto
A conversa durou o tempo necessário. Nem rápida nem extensa a ponto de nos perdermos no assunto. O suficiente para ambos deixarem claro o que cada um achava sobre tudo aquilo. Um bate-papo pontual e sereno. Foi depois de levantar do balcão em que fizemos várias refeições juntos, que o chinês entrou.
Sinceramente, não entendi de onde ele surgiu. Quando notei, o baixinho de cabelos muito lisos e pretos, sorridente, fez um sinal simpático com a cabeça, como se me cumprimentasse tímido, mas me olhando fixamente com aqueles pequenos olhos rasgados.
“Quem é esse? O que está acontecendo?”, me perguntei. Resolvi ignorá-lo. Juntei minhas coisas e saí do apartamento o qual não voltaria a morar mais. O chinês segurou a porta e me seguiu.
Ao meu lado, esperou o elevador e quando chegou, tentou entrar comigo. “Ei! Espera aí, vai ficar me seguindo agora? Estou indo embora. Quem é você? Tchau!”, disse meio sem paciência ao pequeno. A figura colocou a mão para segurar a porta e começou a falar calmamente, sorrindo, mas eu não entendia uma só palavra. Ele gesticulava como se estivesse me explicando algo, e eu, nada.
Deixei-o entrar, pois ele era tão calmo e parecia compreender a minha recente situação. Passei pelo estacionamento do prédio e o chinês me seguiu até o carro. Quando destravei as portas do veículo, ele entrou. “Opa! Calma aí! Como assim? Desce. Vamos, desça do carro, preciso ir embora” – ele tornou a falar pausadamente, como se tentasse me acalmar. “Olha, eu não entendo uma palavra de tudo que você fala nem quero entender. Sai, anda, sai do carro. Eu nem te conheço!”, eu gritava enquanto fazia sinais para o chinesinho descer.
Funcionou. Ele abriu a porta, saiu, fechou-a e ali ficou de pé na calçada.
Saí mais que depressa com o carro. Enquanto contornava a praça para subir a rua ao lado, via aquela miniatura de gente, tão serena, parada, da forma como desceu do veículo, me acompanhando com olhar de incompreensão. “Meu Deus! Não pode ser. Quem é este japa ou sei lá o que? Não é possível”.
Algo me fez voltar e tentar um diálogo. Talvez tenha sido a serenidade que sentia nele, como alguém que jamais iria me prejudicar. Chegava a parecer o contrário, como se ele tivesse algo para fazer por mim.
Baixei o vidro do carro e soltei: “Oi. Olha, eu posso te ajudar? Você vai pra algum lugar? Quer uma carona? Você é daqui? O que acontece?”. Então ele começou a falar mais agitado e gesticulando muito. Agia como se quisesse me explicar algo a qualquer custo. Fazia-me sinais para seguir, mas não tirava a mão da maçaneta da porta do carro. “Vixi. Está bem, calma, entra no carro”, fiz sinal.
Naquela noite o levei comigo para a casa dos meus pais. Expliquei toda a situação e disse que tentaria descobrir de onde ele era para encaminhá-lo, pois poderia estar perdido.
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Em semanas de convivência, aprendi a lidar com o chinesinho. Ele é gente boa. Às vezes me surpreende, mostrando-me lados de uma situação que eu jamais veria. Tudo em gestos, sinais e tom de voz em uma língua que mal posso afirmar ser mandarim, pois ninguém na cidade soube decifrar.
Tentei colocar um prazo para me livrar dele, mas não adiantou. Foi a mesma situação do dia em que nos conhecemos, enquanto eu contornava a praça.
Está para acontecer. Sei que ele se despedirá de repente, com um abraço e um sorriso de cerrar seus olhos, da mesma forma como apareceu no dia em que me encontrou no balcão daquele apartamento. No início, este baixinho me incomodava demais, me dava nos nervos. Não fazia ideia de como lidar com ele, um serzinho que eu nunca imaginei conhecer, que me pegou de surpresa numa situação delicada, mas que parece ter surgido para me dizer exatamente isso: a vida te surpreende com situações desconhecidas e quando você menos espera, será obrigado a conviver com algo que mal sabe por onde começar.
Em um mês descobri que somos capazes de aprender a conversar com um chinês.