sábado, 4 de agosto de 2012

Fora do tempo


Rosemary Hanai

À medida que se descortinam as montanhas ao movimento das árvores enfileiradas, entro numa outra dimensão.

Retorno a um mundo de sonhos, marcado em minha memória com a pureza das coisas essenciais.

Acima, as estrelas. Algumas riscam o céu em movimento mais rápido, porém tão fugidias quanto a lua, que quebra com um sorriso luminoso o negro profundo. Luz e sombra de todos os tempos.

No escuro do pequeno cômodo, tenho à mão dois palitos, como nos primórdios da história do fogo, para acender a vela. Disponho também de uma lanterna avançada, que funciona sem pilhas, apenas sob a fricção de uma alavanca - símbolo do trajeto do homem para fora e de volta à essência.

Preparo-me para a viagem ao mundo dos novos sonhos, tentando, sem sucesso, apagar as luzes da mente. Preciso entender o que sinto a partir do confronto entre a realidade e o sonho de outrora.

Antes de prosseguir, saio para contemplar novamente a visão perfeita de luz e sombra estampada sobre a minha cabeça.

Retorno ao quarto. Apenas a lanterna a iluminar enquanto escrevo.

A luz maior não tardará a chegar.

Deslumbrante.

Não menos, não mais que a noite coalhada de estrelas.

Luz e sombra primordiais.

Faço um esforço para buscá-las nas manifestações humanas. Em cada ação, aparentemente inútil, sem sentido. Nas palavras que abraçam, alternadamente, luz e escuridão.
Quando a luz se vai, aciono, repetidamente, a alavanca da lanterna.