quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Espirdião


José Hamilton Brito

Esperidião, mais conhecido por Espirdião, era capataz, uma espécie de gerente de atividades agrícolas. Nasceu ali mesmo na fazenda, um imenso pedaço de terra no qual a família Brodero operava na área agrícola e criação de gado.

Sendo filho do antigo capataz, com ele aprendeu o ofício e com a aposentadoria do pai, assumiu as sua função.

Dona Emiliana, esposa do fazendeiro, tinha por ele particular afeição. Desde o primeiro choro, passando pela queda de um cavalo na qual quebrou o braço até os dias de então, assistia-lhe com orientação e muitas vezes, intercedendo junto ao marido quando o moço aprontava das suas....e ele aprontava sempre pois era o capeta vestindo roupa de gente.

_Emiliana, não quero mais saber do Espirdião, você se responsabiliza por ele. Mas que diabo, você perdoa tudo nesta praga.

Ocorre que o praga era competentíssimo, tudo corria como um relógio suíço e tinha a simpatia de todos os empregados da fazenda que obedeciam-lhe a tempo e hora.

Todas as noitinhas após o jantar, reuniam-se para o bate papo e as modas de viola e as cantorias, tudo acompanhado pela batidinha de limão e algumas vezes por cervejinhas que o patrão gostava de deixar no jeito.

Povo simples, crédulo, gostava de falar sobre fatos estranhos, almas de outro mundo e benziam-se constantemente. Era por ai que Espiridião atacava.

Um dia, Claudio, o tratorista da fazenda, no meio de uma roda de samba, disse:

-Patrão, sabe o que aconteceu lá na figueira da entrada da fazenda? Eu vinha a cavalo, mais ou menos por volta de meia noite e quando passamos pela árvore, parece que alguém sentou na garupa, o trote ficou mais pesado e eu senti um calafrio danado.

Foi o bastante para o Espiridião dar o ar da graça:

Uai! Foi aquele namoradinho seu que morreu o ano passado que veio matar a saudade.

_ Fica com gozação, lazarento, um dia você vai pagar.

Todas as manhãs, dona Emiliana estava na janela da cozinha e via quando Espiridião passava garboso no seu cavalo baio.

_ Vai com Deus meu filho.

Zezinha, moça bonita, filha de outra empregada, dizia entre dentes:

-Vai sim, seu filho da puta.

Um dia ela foi buscar ovos. Quando voltava, Espiridião entrou em um poço velho e quando ela passou, ele sussurrou:

_Zezinhaaaaaaaaaaa, me dá um beijooooooo.

A coitada conseguiu correr uns vinte metros e ...desmaiou. Foi um fuzuê dos diabos. O que foi, o que não foi e o sujeito ficou na dele mas dona Emiliana desconfiou.

- Mais uma das suas , né sujeito?

E assim foi até que o patrão comprou uma gleba lá pro sertão de Goiás e transferiu Espiridião para abrir a terra. Foi uma choradeira danada.

Passaram-se nove anos sem que voltasse à velha fazenda, não havia como tirar férias dada às inúmeras atividades e cada uma obedecendo a um calendário fixado mais pela natureza do que por ele próprio.

Mas chegou o dia. Tirou umas férias e foi visitar aquela gente que tanto amava. Com exceção de um ou outro, eram os mesmos.

Pediu que deixassem um cavalo arreado na vila, pois chegaria na jardineira da noite, aí pelas onze horas.

Assim feito, dirigiu-se à fazenda. Viu a porteira e mais distante, a velha figueira.

Com habilidade, posicionou o cavalo, abriu a trava e entrou na propriedade.

Feliz da vida passou assobiando pela velha árvore e....

A garupa arriou, o trote ficou mais pesado e após os cabelinhos da nuca ouriçarem, ouviu:

_ Que bom que você voltou, filho.