Cris Henriques

Esta não é a primeira vez que me apaixono, não. A primeira vez, foi dolorosa mas foi muito importante, porque me levou a conhecer o verdadeiro amor e à situação atual que me encontro.
Tudo começou quando eu e os meus 11 irmãos fomos oferecidos a uma jovem moça, pelo Natal.
- Ai que lindo este conjunto de copos, em cristal, debruados com fios de ouro e pé alto! Adoro, João! - disse a moça, pegando-me pela primeira vez e olhou-me apreciando as minhas linhas. As suas mãos eram suaves e quentes. Gostei do seu toque e dos seus olhos azuis, que me lembravam o céu e o mar.
Ao meter a mão na caixa, os meus 11 irmãos tiveram receio que ela os manuseasse mal e os deixasse cair, encolheram-se assustados. Porém, foi em mim que ela pegou e admirou. Percebendo a sua admiração, brilhei para lhe mostrar como estava feliz por estar nas suas mãos!
- São copos para vinho tinto. É para usares numa ocasião especial. - disse João.
- Sim, sim, eu sei. Adorei. Obrigada. Sabes, gosto mesmo muito. São lindos, nem parecem copos de vinho tinto. Tive uma ideia! Já volto! - e posou-me em cima da mesinha da sala.
Minutos depois, voltou com uma garrafa de vinho tinto e encheu-me a mim e a um dos meus irmãos.
- Ai, estou cheio de medo de ser quebrado. Já viste como lhe tremem as mãos? - Comentou o meu irmão, observando as mãos de quem ia beber por ele.
- Tem calma, vai tudo correr bem. - Exclamei otimista.
- Dizes isso, porque a pessoa que vai beber de ti tem mãos firmes.
- Pois tem e são também mãos suaves, quentinhas…
- Ai, ai, ai! Estou a ver que te apaixonaste!
- Não... Claro que não. Mas gosto dela. Não nego isso…
- Pois, pois, cuidado mas é com isso. Olha que nós não fomos feitos para sentirmos, fomos feitos apenas para servir e não para amar, não para sentir. - replicou o meu irmão.
Porém, eu não quis saber do que ele disse e deixei-me levar pela emoção. Ela encheu-me com um vinho tinto, encorpado com um aroma doce mas forte. Depois pegou-me e levou-me aos seus lábios finos, suaves, doces e cálidos. Como foi a primeira vez que me verteram vinho e tive contacto com uns lábios ardentes, acabei por ficar um pouco ébrio. Entretanto, João, o homem a quem ela servira vinho usando o meu irmão beijou-a com a mesma paixão que eu sentia pela mulher dos belos olhos azuis, a minha dona.
Crash! Ouvi o meu coração partir-se com a desilusão e perdendo o equilíbrio, devido ao desgosto e também devido ao vinho, o meu pé quebrou-se.
- Meu irmão, estás bem?
- Não meu irmão, acho que cheguei ao fim da minha curta vida.
O meu irmão chorava com pesar e eu jazia ali, com o meu pé partido em dois e a base estilhaçada em mil pedaços, como o meu coração enquanto via-a com ele, perdida em êxtase sem dar importância ao estado em que me encontrava. Comecei a sentir frio e depois, ficou escuro como breu.
Não sei quanto tempo fiquei naquele estado de letargia, só sei que quando finalmente acordei, tudo mudou. Tinha uma nova vida, alguém me tinha aproveitado e transformou-me numa pequena jarra, onde me tinham enchido com terra e uma flor crescia de dentro da terra, dentro de mim. Eu era o seu suporte de vida.
Fiquei feliz e não tardou muito tempo para que Lili e eu, nos tornássemos amigos e daí, até que esta amizade se transformasse em amor, foi apenas um instante.
Hoje sim, estou feliz. Moro noutra casa, com uma pessoa delicada e dedicada, ela é jardineira e adora plantas e flores.
Quanto aos meus irmãos, nunca mais soube nada deles mas espero que estejam felizes e bem de saúde.
Em relação a Lili e a mim, somos muito felizes. Com ela aprendi que o verdadeiro amor nasce da amizade.