terça-feira, 12 de março de 2013

Janela da vida 1


José Hamilton Brito

Olhando pela janela do tempo, “garrei” a pensar em cada dia que foi ficando, que foi ” fondo” como dizem os jogadores e torcedores dos Corínthians.

Tenho imagens perfeitas em minhas lembranças do noturno, o trem que passava já anoitecendo por engenheiro Taveira e que vinha lá do Mato Grosso, pelo ramal de Lussanvira.

Ora com meu pai, ora com meus tios, carregando aquelas trouxas cheias de legumes, de carnes, de queijos que a fazenda da minha avó produzia... Deus, eu tinha um ódio daquelas trouxas. Coisa mais brega. Eu era um tonto e não sabia.

Tivesse eu ainda hoje aquela fazenda para andar cheio de trouxas com as coisas produzidas nela.

Depois, já mais moço, no mesmo trem, a gente ia visitar meu tio Anísio de Brito, coletor em Pereira Barreto. O trem ia lotado de pescadores e voltava com os mesmos pescadores, todos carregados de peixes.

Nas pedras da corredeira, ali por perto de Valparaíso, lindos dourados, gordos pacus ou barbados pescados e aguardando o trem passar para o retorno à cidade. Os vagões viravam um balcão de peixes.

De Lussanvira até Pereira Barreto, uma jardineira que “andava” por obra e graça do Espírito Santo, cheia de peixes, galinhas, farofas e o diabo...

Represaram o rio, acabaram com o ramal de Lussanvira, com as corredeiras, com os pacus, com os dourados e barbados e acabaram com os vestígios de uma época em que era muito mais fácil ver poesia em tudo.

Como diria um francês : c’est La vie.

Como diz o poeta Heitor Gomes, o Poeta das multidões: é uma merda.

Quando o Baguaçu ficava cheio, os ingazeiros ficavam no meio do rio. Tudo madurinho. A correnteza forte obrigava-nos a pular na água bem acima da árvore e vínhamos na força dela para agarrar nos galhos e subir para comer os frutos. Quem conseguia se agarrar, bem; quem não conseguia descia mais de quilometro abaixo caso outra árvore não se lhe apresentasse no caminho.

De repente, alguém gritava:

_ Quem chegar na margem por último, é a mulher do padre.

Um tchibum atrás do outro e a molecada nadando rápido para não chegar por último.

Gostávamos de fazer guerra com mamona atiradas com estilingue. Para fazer um estilingue que prestasse, precisávamos de uma boa forquilha e uma boa forquilha só era fornecida por um arbusto chamado buceteira e....

-Hein! Que diabo de nome é este? Que pouca vergonha.!

_Eu que tenho pouca vergonha ou a sua cabeça é que é imunda? Que faz associações inadmissíveis?

-Fique sabendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Buceteira é um arbusto. Boceta é uma caixa de rapé. O nome ora abominado não existe. A parte da anatomia feminina chama-se vagina. Assim, quem tem pouca vergonha, mente poluída e escassa cultura é você.

Mas prosseguindo: um dia fomos pescar e uma cobra picou o Boró. Foi um Deus nos acuda. Põe torniquete aqui; não, põe ali. Colocamos o desditado amigo nas costas e o levamos para a Santa Casa. Deram uma injeção deste tamanho na barriga do coitado e ali terminaram nossas incursões noturnas no rio da integridade regional.

De repente, quase mesmo que de repente, a cerca de arame farpado que havia na rua bandeirantes, separando a horta do pai do Mário japonês, sumiu. Uma residência, ali na esquina da Rua Bandeirantes com a Oscar Rodrigues Alves, virou a padaria Bandeirantes. Na outra esquina, onde havia uma parreira onde a gente roubava uvas, virou padaria e hoje é farmácia.

A loirinha que morava com o irmão, na esquina da Afonso Pena com a Bandeirantes, sumiu e tempo depois apareceu como dona de uma cadeira na academia araçatubense de letras.

Hoje, dos ecos do passado, ainda escuto a Suzue Furukawa, em cima do muro chamando a irmã:

-Mariaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, mamãe tá chamandooooooooooooooooooooooo...