quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Medo esdrúxulo do além túmulo


Texto de Rita Lavoyer

Helbergarda morria de medo do além túmulo. Desesperada por saber que iria conhecê-lo em qualquer época, matou-se.

Sempre trouxe a dúvida do por que um pulso cortado levava à morte e um braço amputado não. Era exigente, gostava de serviços bem feitos.

A porta e a janela do seu quarto estavam trancadas pelo lado de dentro. Arrombaram-nas.

Encontraram-na morta, deitada na cama, com uma das mãos amputada, e outro braço com o pulso cortado até poder ver o osso, ao lado de um machado. Para igualá-la, arrancaram-lhe a outra mão também. Ginástica desumana.

Enlouquecia ao ver o seu corpo, sem as mãos, sendo maquiado para repousar eterno na urna.

Seus olhos arregalados não eram vistos, nem ouvidos. Agonizava-se para dizer, silenciosamente, o seu medo naquela morava para sempre.

Coroas chegavam. O vigário recusou-se a benzer o corpo.

Helbergarda foi... vendo... Viu-se enterrada. O medo por estar ali a consumia inteira.

Tamanho desespero fez mover os seus braços sem mãos. Com os ‘toquinhos’ que lhe sobraram batia na tampa do caixão, trancado pelo lado de fora, fazendo-se ouvir na câmara ao lado.

_ Hei! Quem está ai? Aquiete o seu espírito. Pare de fazer barulho que eu preciso descansar em paz.

O medo por ouvir a reclamação do vizinho morto, ao lado, fez o líquido paralisado daquele corpo de Helbergarda correr freneticamente.

Esquecendo-se das boas maneiras, dentro da urna Helbergarda urinou.

_ Hei! Vizinho novato, morreu do quê?

Sua condição piorou quando percebeu-se tratada no masculino. Esquecida, correu com suas mãos até o seu sexo, não o alcançou, não as tinha. Os seus braços mutilados chegavam até a altura do umbigo. Gemeu não saber mais sua identidade.

Aterrorizada, depois da pergunta do vizinho, não houve como controlar os agitos do seu corpo. Helbergarda tremia debaixo da terra.

_ Quer parar de chacoalhar aí, seu engraçadinho! Pare agora! Senão vou até ai e te mato!

O medo de Helbergarda tornou-se atômico, ao ponto de ela explodir.

Seu corpo, num súbito, esparramou-se no espaço, levando consigo todo o material que a envolvia, enquanto a sua alma moribunda encolhia-se na cova, tentando agarrar-se aos vermes.