terça-feira, 12 de abril de 2011

A hipocrisia do diploma



Texto da nossa amiga Isabel Vasconcellos, editado e publicado no site dela em junho de 2009. Essa transcrição tem a sua autorização e foi publicada no Blog do Lu Cidreira em 27, de junho de 2009, link: http://lucidreira.blogspot.com/2009/06/hipocrisia-do-diploma-enquanto-boris.html
Link para esta postagem: http://www.isabelvasconcellos.com.br/Meus%20Textos%201.htm


Enquanto Boris Casoy aplaude, Eliakim Araújo esbraveja contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de por fim à exigência do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. Como sou jornalista desde 1967 (antes desta bendita lei) e o meu registro está lá na minha carteira de trabalho, sempre me senti muito à vontade para falar contra essa exigência absurda.

Eliakim alega que os “patrões” se sentirão à vontade para contratar gente que aceite a imposição da linha editorial dos donos do veículo ou que aceite trabalhar por um salário aviltado.

Ora, então todos os profissionais de cargos que não exigem diploma são contratados por salários aviltados? No Exterior, onde não há essa exigência, os jornalistas são todos puxa-sacos dos patrões?

Na prática, o jornalista diplomado tem mais condições de bater de frente com o pensamento dos donos dos veículos? Por que? O diploma garante por acaso a firmeza de caráter de quem o possui?

Exigir diploma para o cidadão poder se expressar é um absurdo.

Essa lei é fruto (ainda!!!) da Ditadura Militar que queria calar a boca da oposição a qualquer preço. Com a exigência do diploma, por exemplo, o líder das Ligas Camponesas no sertão ficava impedido de editar um jornalzinho no mimeógrafo da sede de seu movimento e precisava, para isso, “alugar” o registro profissional de algum diplomado que topasse ser o “jornalista responsável” pelo veículo. Uma coisa francamente ridícula.

Com o nível de muitas escolas que se dizem “faculdades” no Brasil está cheio de jornalista semianalfabeto por aí. Não é só jornalista. Tem advogados, engenheiros, médicos, etc., de formação altamente suspeita. E, durante décadas, houve quem sobrevivesse sem trabalhar, apenas “alugando” seu registro profissional para publicações diversas, até aquelas de cunho meramente comercial. (Aliás, nada contra o comercial...)

Outra boa razão para a defesa da exigência do diploma é o corporativismo: Neste clubinho aqui, só nós. Ou então, a “razão” dos fracos de espírito, que cursam faculdades não pelo conhecimento que elas possam oferecer mas sim pela garantia de um salariozinho melhor.

Agora você imagine gente do nível de Vinícius de Moraes, Érico Veríssimo, Lia Luft ou Jorge Amado – só pra ficar com os escritores – sendo impedidos de escrever em jornais ou revistas apenas porque não têm (ou tinham, no caso dos falecidos) registro de jornalista. Ridículo, não?

A imprensa pode e deve se beneficiar, ainda, de profissionais de outras áreas, como políticos (vem cá, o Fernando Henrique ou o Delfim, com colunas regulares nos jornais, tem diploma?), economistas, músicos, engenheiros, advogados para opinarem e até reportarem, dentro das suas áreas de atuação.

O Eliakim que me perdoe, com todo o respeito e a admiração que tenho por ele, mas essa posição de achar que os donos dos veículos vão contratar gente fuleira só porque não há a exigência do diploma, é muito boba e, além de boba, não leva em consideração que a comunicação é um negócio como qualquer outro e sofre violenta concorrência, o que obriga os veículos a investir em qualidade profissional.

Nunca me esquecerei do dia, nos longínquos anos 1980, que, no lento elevador da TV Gazeta, me atrevi a falar contra a exigência do diploma para um grupo de importantes jornalistas que se apertavam no cubículo. Houve um silêncio sepulcral, um mal estar insuportável, como se eu tivesse cometido, no Vaticano, a maior das heresias. Respirei aliviada quando o elevador chegou ao térreo e a porta se abriu.

Exatamente como respiro no dia de hoje, depois dessa sábia decisão da Justiça Brasileira. Aliviada. Adeus corporativismo, incompetência diplomada, restrição da liberdade de expressão.

Viva a democracia!