quinta-feira, 5 de maio de 2011

As academias


Texto de Cecília Ferreira* publicado na edição de 03/0/2011 do jornal Folha da Região, de Araçatuba (SP)

Busto do filósofo e matemático Platão
Nos arredores da cidade de Atenas foi fundada por Platão a escola que ocupava um jardim banhado por fontes. De forma que as Academias (em grego com K, e em latim com C), sejam estas de letras, ciências ou artes, foram para sempre assim nomeadas em homenagem ao herói Akademus.

Entre trezentos e quatrocentos a.C., Platão teria formado a escola grega de filosofia. Poeticamente, o lugar, que ainda existe, era na época um horto de oliveiras, e o filósofo teria adquirido o terreno. Alguns elementos definiam a academia de forma diversa das demais, que conciliava as atividades didáticas com a especulação filosófica, num processo conhecido como maiêutica. Dialético e pedagógico, o processo socrático multiplicava as perguntas para buscar por indução a verdade.

Nos dias de hoje a distinção entre a teoria e a prática é maior do que para um filósofo grego; mas por outro lado a escola platônica não possuía fins lucrativos, ao contrário do que sucedia com escolas sofistas mais técnicas e comprometidas com a eficácia da argumentação política ou jurídica.

Talvez a filosofia de uma academia gratuita em área particular tenha sido somente um mecanismo de defesa da própria vida. Afinal, Sócrates, de quem Platão fora discípulo, havia sido condenado à morte por não aceitar os deuses reconhecidos pelo Estado, por introduzir deuses novos, e por corromper a juventude que arrebanhava em praça pública. Bom, não é de hoje que o Estado se mete onde não é chamado quando se trata de temer a perda do próprio poder.

Então, o jardim de Akademos era o protótipo mítico dos paraísos terrenos: um mundo vegetal que se autorregenera, por oposição à pedra da cidade e às suas ruínas. Ruínas morais, físicas e intelectuais. Daí a ilusão da imortalidade intelectual oriunda de se pertencer a alguma academia: imortalidade construída sobre a morte de Sócrates. E, como o jardim por sua distância exigia o esforço pessoal do deslocamento do aluno, que só por vontade própria frequentaria o interior daquelas muralhas particulares às quais só se ingressava por meio de uma estreita porta, Platão se livrava de possíveis acusações e de condenação à morte como ocorreu com Sócrates.

Esta primeira Academia, que ao contrário das academias reais, criadas a partir do século XVII, é uma academia espontânea, surge da vontade do poder civil e não do poder político, e, ao menos nisto, se parece com a nossa Academia Araçatubense de Letras. Uma Academia de Letras, na atualidade, não deveria ser painel de autopropaganda por intermédio de se valer de figuras externas ao seu meio para se promover diante de uma sociedade voltada para o imediatismo do espetáculo da fama alheia (como tem feito alguma Academia mais notória deste país).

Por outro lado, as academias, para valerem-se honestamente da prerrogativa de usar o título que Platão emprestou às escolas que pretendem avançar no estudo e formação das ciências, letras, e/ou artes não devem usar critérios excludentes, principalmente se este for financeiro; muito menos se limitar a julgar-se superior às modernidades que o mundo atual apresenta em novas mídias diante daqueles que se dedicando a ampliar e valorizar suas capacidades artísticas pessoais desejem ingressar em tais academias. Porque a Academia de Platão foi como raiz: Resistência ou Inexistência.

Nesse sentido, as atuais caminham claramente para a morte. Umas por escolhas pouco ligadas aos seus sobrenomes (seja letras, ciências, filosofia e/ou artes), outras por não se modernizarem a ponto de aceitar as novas mídias como possibilidade de grimpo de joias verdadeiras e já bastante bem lapidadas (porque sem dúvida as há).

Aqui finaliza Platão: “Os males não cessarão para os humanos, antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes, que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente.” E eu finalizo com Rui Barbosa: “O que preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

* Cecília Ferreira é jornalista e escritora em Araçatuba, membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras) e da UBE (União Brasileira de Escritores).