quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Acordo (nada) romântico


Lucimara Souza

É sempre comum jantares a dois nos últimos dias do ano. Ensejo para conversar sobre o que fizeram juntos, traçar metas para os meses seguintes, além de ser um momento de descontração, alegria.

Entra no restaurante um casal. Ela aparentando uns trinta e cinco, ele não mais que cinquentão. Acomodam-se em uma mesa próxima à nossa. Eu observo.

O celular dele toca. Atende, sorri, relaxa na cadeira. Ela coloca seus óculos e fita os olhos na tevê, a exibir a novela das oito – sempre às nove.

Quando meu parceiro e eu acabávamos de jantar, vi que ele desligava o celular. Eu, sem nada a ver com a situação, já me sentia incomodada em minha condição de mulher bem resolvida. A esposa, amásia, amiga colorida ou namorada dele já devia estar carente, além de faminta.

Resolvem fazer o pedido.

O jantar chega e um novo trrrimmmm remixado interrompe a fala dela. Eu analiso.

Ela percebe que o jantar vai ser a um mesmo, e não a dois. E o bate-papo gostoso? Este ficaria para o fim da noite caso sobrasse disposição; e saco...

Com o aparelho nas mãos, o coroa se levanta e vai até a parte externa do recinto. Lá permanece por uns dez minutos. Falando, rindo alto, e me irritando – mais a mim que a parceira dele.

Enquanto isso, a moça ceia com a companhia das cenas globais e dos garçons sorridentes que rodeavam o ambiente. Ela brinda sozinha. O quê? Talvez a vida e saúde dela. Só dela.

Eu instigava meu parceiro a observar a cena. Claro, não deixando de lançar minhas advertências:

- Se algum dia você pensar em fazer isso comigo, ao voltar, encontrará a cadeira vazia e a conta pra você pagar. Dane-se se não sobrar dinheiro pro táxi.

- Nossa, amor, você faria isso? - choraminga ao meu ouvido.

Nessa hora ele volta. Ajeita a camisa dentro das calças, suspende-as, sorri. Sorri como se nada estivesse acontecendo. Mal sabia a raiva que eu estava sentindo dele.

Senta-se, mostra os dentes amarelos. Ela olha pra ele, passa a mão na cabeleira grisalha. Ele lambisca a comida, pede a sobremesa.

- Agora vai! – torci.

Não, não foi. Desta vez acho que devia ser um torpedo. Ele faz a ligação. A outra pessoa devia estar sem créditos.

Seria alguma imperdível negociação?

A essa altura, ela nem dava a mínima. Não se incomodava. Não desviava o olhar da televisão.

Anormal pra mim. Habitual pra ela, aparentemente desprovida do lado emotivo. Foi a essa conclusão a que cheguei.

Ele, um homem de tamanha insensibilidade e indelicadeza. Ela, uma mulher submissa a aceitar jantar sozinha mesmo acompanhada. E pior... Aceitar ser trocada por telefonemas fora de hora, sem fazer um escandalozinho básico de mulher.

Conveniência? Penso que sim. Um acordo! Nada romântico, por sinal.

Ela teve o jantar pago. Ele teria, no fim da noite, um sexo bem animal pra compensar o que gastou com ela.