Paulo Sérgio Neves e Maria Tereza Marçal Cardoso
Várias transformações aconteceram em nossa sociedade, desde quando aprendemos a andar eretos, a utilizar do fogo e criamos máquinas que transformam o calor em movimento,força.
A raça humana sempre procurou aliar o útil ao agradável, afinal fazer força para quê? Estamos vivenciando um desenvolvimento muito maior do que a idade moderna viu. Doenças se extinguiram, outras apareceram, mas as mentes brilhantes estão aí! Descobrindo a cada dia uma nova possibilidade.
Chegamos num estágio tão avançado, que a nossa sociedade sofre em parte com todas essas facilidades.
Encontramos hoje uma sociedade obesa, consumista, com muita informação disponível, mas carente de senso crítico para não deturpar a enxurrada de novidades e conhecimentos úteis e inúteis. Seja na TV, no rádio, na internet.
Desenvolvemos novas doenças que somatizam-se.Tranformam-se em outras e para as últimas, que atualmente são conhecidas como “doenças da alma”, (segundo os religiosos), Jesus cura!
Séculos e séculos de desenvolvimento de coisas boas, que nós seres humanos ao final da nossa caminhada terrestre deixamos de presente para as futuras gerações. Deixamos coisas ruins também, mas essas... deixa pra lá!
Resolvi falar de tudo isso nessa introdução porque sei que toda ação gera uma reação igual e contrária.
Ela está falha e resumida, talvez tenha sido essa a minha intenção, quem sabe? Afinal novos capítulos são por nós escritos e o que é irrefutável hoje, amanhã poderá ser uma tremenda mentira. Tenho visto nas minhas “zapeadas televisivas” grávidas desengravidarem-se de um programa para o outro. O que mais podemos esperar nesse circo de horrores que é a nossa televisão formadora de opinião nesse nosso Brasil?
Esse desenvolvimento criou ao meu ver uma liberdade que fez com que nós, em algum momento, perdessemos a estrada, o rumo, levou-nos por caminhos tortuosos e neles ficamos perdidos nessa grande selva chamada sociedade.
Criar os filhos? Pensar na carreira? Viver o (um) romance? Viver ou conviver? Essa é a grande questão.
Podemos juntos homem e mulher, enquanto casal, esforçar-nos para comprar uma bela casa, um belo carro, mas... e viver a dois? Férias na praia, boa escola aos filhos e onde fica o casal? Comprazem-se em “encaminhar” os filhos?
Rugas, celulites, óculos, doenças, remédios, limitações...e a vida? Se esvazia...
O ser humano começa com uma união, não discuto aqui a forma, pode ser ela: casual, estável, científica (fertilizações) e termina só. Às vezes na pior solidão, que é aquela em que se vive acompanhado.
Como então poderíamos configurar o “moderno” casamento? Aquela velha forma de unir macho e fêmea em uma só carne, sob o mesmo teto e com o fim comum e predefinido pela nossa igreja que seria a reprodução, já faliu?
Como ficam então as relações “santificadas” e depois registradas em cartório frente a toda essa modernidade? São contratos? Como poderíamos definir o casamento hoje em dia? Porque tem durado cada vez menos? Porque cada vez mais as pessoas se desiludem com essa que é uma das mais antigas instituições humanas?
Penso que o casamento, obrigatoriamente, tem que ser fundamentado por uma ligação profunda, sentimental e que obrigatoriamente deve ser benéfica aos dois, em todos os sentidos.
Como podem então, duas pessoas estarem ligadas uma a outra sem os requisitos que citei?
Como posso amar alguém sabendo que essa pessoa está “presa” a mim e o encanto, o respeito, o carinho, a compreensão, o companheirismo e o amor não existem mais?
Ocorre que o casamento é uma instituição bíblica, não no sentido de doutrina, mas em uma perspectiva teológica. A ideologia de um Deus que a tudo criou e tudo rege. Assim, homem e mulher biblicamente representados por Adão e Eva, seriam a síntese do casal, o mito, a exigência de ligação perpétua entre um homem e sua mulher. E milênios depois, o mito ainda permanece no inconsciente coletivo de bilhões de casais que acreditam que o casamento é a via plena da felicidade eterna.
Rubem Alves afirma, com toda a sua vasta experiência, não só como psicanalista, como também pastor protestante que foi, que FELICIDADE é uma coisa muito grande...e que ela não existe, mas sim, FELICIDADES, ou seja, momentos agradáveis e prazerosos em que tudo parece estar bem, em completa harmonia. Vale lembrar que Rubem não teve vida longa como pastor, não suportou as camisas de força dogmáticas, não suportaram a grandeza, a inteireza do pensamento dele. Normal...a história está cheia de casos de intolerância e pessoas à frente de seu tempo, incapazes de se subjulgarem a um confinamento de ideias.
E o mesmo Rubem, em entrevista no Programa “Provocações”, apresentado pelo grande ator da dramaturgia brasileira, Antônio Abujanra, ao ser questionado sobre o Amor, poetizou, parodiando a canção de Vinícius: “Ah, o amor é a coisa mais triste quando se desfaz...”.
Assim, o casamento é um acordo entre cegos de um castelo enorme, cujo pacto de amor eterno mantém, ou pelo menos tenta manter, os portões trancados e as chaves escondidas. E o casal jura o injurável: sim, vou te amar até a morte, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença (até que a morte nos separe...). Assim, inicia-se o banquete nupcial, em que marido e mulher comerão gigantescos saleiros ao longo de décadas e alguma sobremesa de vez em quando, que é para adoçar a noite.
Casar é fácil, difícil é desejar todo dia o mesmo homem, a mesma mulher. Casar está, para os leigos, como o celibato para os religiosos: um aprisionamento de sentidos, um contrato de letras minúsculas assinado no escuro. Polêmico? Talvez...mas há que se refletir sobre a instituição que confere aos sentimentos um caráter atemporal que nenhum sentimento pode conter, porque simplesmente não é algo que possa caber dentro de uma caixa, uma redoma, uma gaiola, mesmo que seja uma gaiola dourada laureada de flores de lis.
Nunca se casou tanto, nunca se descasou também. A indústria do casamento movimenta hoje um mercado altamento próspero e lucrativo: as cerimônias e festejos estão cada vez mais teatrais e gasta-se muito – e o que às vezes nem se tem, para mostrar à sociedade elitista e hipócrita: “Vejam como nos amamos, vejam como somos lindos e elegantes, vejam como estamos acreditando que isso aqui vai durar até que a morte chegue e nos liberte de nossas amarras...”
É triste, é constrangedor ver o quanto as pessoas ainda se casam iludidas e despreparadas, por mais tempo de namoro e convivência que tenham tido. Por que o encanto inicial desaparece? Por que a paixão dá lugar ao tédio? Maldade, crueldade humana? Pobres deles, pobres de nós...o encanto e a paixão não suportam o peso inoxidável da rotina, só isso. Rotina é o problema, por mais que haja receitinhas de felicidade nas revistas e programas de TV femininos, não há encanto que suporte a chatisse de pagar as contas e manter a casa e a família, de ouvir toda noite o ronco um do outro, de dividir as alegrias e os dissabores da educação dos filhos, de se preocupar se o salário de ambos vai cobrir as despesas mensais ou Valei-me , cheque-especial! Não há encanto que resista a duas escovas de dentes juntas na pia, anos e anos, sem férias, sem recessos, sem trégua para que cada um possa pensar em si mesmo, nos seus próprios sonhos e necessidades, nem sempre compreendidas pelo parceiro. Junta-se as escovas de dentes, mas juntar sonhos e compactá-los num mesmo recipiente é coisa muito...muito difícil.
No entanto, uma coisa é certa: o casamento é um assumir de emoções e responsabilidades, um assume o outro, com todas as demandas passadas, as atuais e aquelas que virão com o tempo. Isso talvez explique parcialmente porque tantos casais, embora desencantados, permanecem juntos até a morte: por amor e responsabilidade, gratidão e zelo pela pessoa do outro. Isso é tão, mas tão certo como dois e dois são quatro...tão antigo quanto andar pra frente. E não vai mudar e nem tem que mudar. Apenas uma coisa precisa ser revisitada: os conceitos de afeto, sexualidade, paixão, amor e... casamento. E o questionamento interno quanto ao tamanho do sonho e da satisfação de cada um.
Casar é prosa, amor e sexo é poesia. (Com sua licença, Jabor...rs)