quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Voto de família


Ventura Picasso

Na rampa da Rua 13, entre o Piu Piu e o Bar Aurora, Rick acompanha Ieda e Carla. Ocupam uma mesa, na calçada, cheia de latas de cervejas vazias.

O papo rola livre em plena campanha política eleitoral, Ieda discutia, entusiasmada, o boquete da Monica Lewinsky.

Um cidadão recolhendo latas vazias de bebidas, humildemente, chega à mesa do trio amigo:

― Dá licença?

― Sim?

― Posso recolher as suas latinhas?

Rick, atenciosamente, respondeu ao catador:

― Por favor, o senhor chegou bem na hora, a nossa mesa não suporta mais, não há espaço para nada; obrigado.

Carla, uma italianinha branca como leite, cheirando fim de banho, vestindo seda esvoaçante desfila sempre de cabeça erguida, risonha, apetitosa – carne fresca no pedaço sentadinha ao lado de Rick – que tesão. As mamas tipo pêra, iguais às da Kim Novak quando chegava, sem sutiã, no set de filmagem; Hitchcock detestava. O mago do medo perdia a direção.

― Doutor, ainda bem que tem muita gente sem educação. De todas as mesas aqui na rampa, só a sua mantem as latas sobre a mesa. Quando vejo uma latinha na sarjeta, vazia, jogada ao chão, meu, vejo cinco centavos. Assim sustento minha família, ainda bem que existem os sem educação. Já me vou! Adeus a todos, bom fim de semana.

― Sabe de uma coisa Carla, interfere Rick:

― Quando vejo um santinho de candidato jogado no meu jardim, sempre imagino quanto custou aquele lixo que polui as nossas ruas. São milhões de Reais no aguardo de um retorno supostamente desconhecido; Mas, que retornam, não há dúvidas. Em política, é a ambição descontrolada, a ideologia dominante.

Os salários percebidos em quatro anos, no tempo de um mandato normal, não atingem os valores gastos em uma campanha vitoriosa, considerou Ieda, retornando à Monica:

― Quando me lembro do mandato do Clinton, me encharco molho até os joelhos. Lembra-se da Bilá? Pois é, ela me contou o affair entre Bill e Monica, um negócio que estava dando certo, ela entregava pizza pro cara, porém a abelhuda Linda Tripp, entrou na concorrência e melou o jogo.

Chupando sorvete Carla analisa:

― Não foi corrupção ativa na concepção cristã; foi passiva, a pizza era boa, ela gostou e, etc. A justiça dos homens, ancoradas na sagrada, no supremo debate jurídico, qualificaram o ato obsceno como “quase‟ relações sexuais. A fissura animal não se poupou, lá na saleta Oval da Casa Branca, onde dividiam a pasta italiana, partiram rapidinho para a tão sonhada ação.

― Comeu?

― Não! Ficou na porta.

O bombardeiro Hillary, ameaçou, mas calou.

O New York Times não sentiu emoção. Tudo bem. Não houve conjunção carnal, a menina não pegou as coisas do presidente, a justiça não condenou, nem o Times. Aconteceu, por que aconteceu! A culpa foi da Linda que gravou numa segunda-feira as aventuras de um lindo domingo da Monica. Bafos! Coisa banal, mulherzinha ridícula... Um trapo essa Tripp!

Agora, pensando bem, muito melhor políticos tipo Clinton. Os que eu conheço preferem roubar dinheiro e dividir uma pizza na justiça para comemorar o fato. Nem a mãe vota no individuo.

Atualmente, ninguém se escandaliza. Mas, certamente, se uma dona fosse flagrada com a boca na botija de um político, o felizardo seria cassado. Suportar essa imoralidade, jamais. Roubar dinheiro é outra coisa. É coisa normal e costumeira, meu!

Rick pergunta:

― E a dignidade?

As meninas perdidas:

― O quê?

"...depois, muito depois, apareceu a estrela do mar..."